domingo, 21 de novembro de 2004



Quando dezembro chegar eu amanhecerei na minha ilha por longa temporada.
Lá sou esposa do rei, e rainha, e mando no tempo, nas marés, nas ondas inclusive, no movimento ondulante dos pedestres e veículos e no sono dos cachorros que tomam sol na rua.
Tenho uma casinha na árvore e aquela maior em terra bem firme, guardada por Gauguin, com uma janela azul que dá para o lugar onde nasci e outra verde para onde morrerei.

Quando chove muito, ou os vulcões das redondezas regurgitam helicópteros engolidos na última reportagem, nós cantamos com os nativos os cantos tradicionais para acalmar os deuses enquanto salvamos os trabalhos e protegemos os computadores dos picos de energia.
Divido as instalações com um pesquisador louco, tão louco quanto pode ser um cientista louco, capaz de voltar das entranhas do vulcão cheio de ervas miraculosas, e do mar cheio de águas marinhas e pérolas e corais, e do muito longe cheio de presentes de antigas civilizações há muito ausentes.



E quando estou aqui distante eu não posso morrer, porque tenho de voltar sempre e sempre até que a lava faça o mar ferver e a água evaporar e a terra seque sob as cinzas e não haja mais chão firme sob aquele sol nublado por helicópteros desgovernados.
Ah, mas ainda falta muito pro fim do mundo.



Você sabe, não é aconselhável viver sem cafeína. Eu disse à Maíta: não se descuide das compras na minha ausência. Mas eles não ligam, têm um chá forte, uma espécie de droga líquida esverdeada que se equipara ao café e a outras drogas mais leves, mas não me satisfaz. Porque, o gosto, entende? tem gosto de capim com um tantinho de lama, e com açúcar só piora.



Lá existe o transporte em lombo de burro. É muito prático e moderno, quase não dá despesa e atravessa qualquer lamaçal sem atolar. Temos um burro próprio, com tração nas 4 patas. Trocamos por duas picapes.
Falando assim até parece que é um lugar selvagem, mas não se iluda: tem a melhor vida noturna do universo, para todos os gostos: inclusive a lua à beira-mar, atualmente minha vida noturna preferida.



Sabe, a gente não sente falta nem das músicas que mais gostava.
Tem umas fases em que se enjoa em pacote, de várias coisas.
Mas não enjoamos do mundo, só de coisas do mundo que existem apenas para incomodar, como por exemplo, diga lá você. Prefiro manter silêncio sobre esses assuntos delicados.

mar doce mar

Mas não, não pense que, por habitarmos o paraíso em certas épocas do ano, abandonamos a luta e os esforços pra melhorar o universo e tudo o mais. (Afinal, tudo depende de nós, se pararmos tudo desaba, não é, Megalô?)
De lá também são sentidas as vibrações na Força, mas fazemos o que podemos para que as águas sejam mais azuis e os coqueiros mais verdes. Entenda o que quiser, mas não subestime o poder do desejo.



Um beijo e até mais.

segunda-feira, 15 de novembro de 2004

fiquei imaginando Sylvia Plath planejando o dia seguinte ao de seu suicídio, o café da manhã das crianças deixado ao lado das camas, quanta preocupação com o futuro.

*

e o futuro, como vai? mapas secretos de terras a descobrir naquela mala em cima do armário.
um dia seguiremos avante e para o alto atrás de maiores novidades, mas não agora, que ainda estamos no presente.

*

mas você não percebe? o ar tem circulado mais leve pelos ambientes tateáveis e pelos cantos da internet.
(note bem a ausência de ácaros, você não espirra mais por quinze minutos seguidos quando entra nas salas de chat).

acho que conseguimos nos livrar de toda aquela gente cinzenta, ranzinza, pesada, eternamente TPMzada e deprimida, dos que fazem da sua dor um manifesto por um mundo pior. (não falo dos doentes e prejudicados pela vida, falo dos incompetentes que apenas criticam, porque não sabem fazer).

*

mas como dizia, fiquei imaginando que os diários eram escritos para serem publicados, mesmo no meio da maior dilaceração.
que triste esta necessidade de se fazer ouvir.
a ilusão de controlar a percepção alheia da própria imagem, mesmo depois de tudo perder o sentido.
de algum jeito, humanos são mal programados. ou nos desviamos, não era pra vivermos assim.

*

mas já que vivemos, contamos em diários. ou no blog.

*

o que eu gosto em você é que entende bem a desimportância das coisas.

*

das realmente desimportantes, quero dizer. como palavras num blog.

*

estava pensando na tal da construção da imagem. eu vi, ninguém me contou: perguntavam sobre os primeiros livros lidos na infância, e nas respostas só Heidegger ou Joyce ou Poe ou equivalentes. coitadas dessas crianças, que adultos viraram.

*

mas somos livres para criar, e devemos ser livres para criar.

*

por falar nisso, me traga um presente inesperado.

*

do outro lado do mundo, da Austrália, da Nova Zelândia. da Tonga da mironga do cabuletê, onde o ano nasce primeiro. da ilha de Páscoa ou de Galápagos, de um lugar bem estranho.

*

um dinossaurinho daqueles, um ornitorrinco filhote. (não, isto seria esperado).

*

então me traga uns planos para o futuro próximo, o próximo feriado, talvez.
umas idéias e tintas pra decorar a casa de Gauguin, um balanço para a mangueira.
peixinhos dourados.

*

o que importa de verdade, você sabe.

sábado, 13 de novembro de 2004


webmaster

*

a fome de informação e a sede de conhecimento:
a maior vantagem das rádios de internet, dos mp3 e de toda mídia de som digital é poder ver imediatamente os créditos das músicas.
(mas nas rádios tradicionais a conexão com os ouvintes era sempre estável, não era? se não me falha a memória, como a do computador).
o que gosto nas rádios em geral é ouvir pela primeira vez alguma coisa legal e pela 3465ª vez alguma coisa amada, como um presente dos céus sonoros só pra mim (com dedicatória e tudo).
por falar nisso, descobri que no momento gosto de Beck.

*

há 50 anos

*

tá bom, eu explico melhor.
mas é a última vez, aproveite:
eu não moro nem trabalho no alto da favela.
num bairro e no outro, distantes e em quase tudo diferentes, por essas coincidências do destino sou vizinha, mais ou menos próxima, de comunidades disputadas por diversas lideranças, digamos assim.
no trabalho, um pouco mais próxima do que seria recomendável para a saúde, mas não ganho adicional de insegurança.
no lar, do lado iluminado da Força - que é uma uma pedra lisa e íngreme - sem janelas abertas para o crime (a não ser o do pianista assassino de paciências do apartamento em frente).
e no entanto acredite: espero viver até os cem anos, e com um corpinho de 90, nesta mesma bat cidade, nestes mesmos bat arredores.


até porque hoje aquele passarinho (gosto de pensar que é o mesmo) visitou minha janela de novo, o que é um sinal de que ainda sobrevivem os passarinhos por aqui.

*

Rio, terra de contrastes
onde você pode ouvir beatles e sons alternativos em plena feira nordestina, saboreando devassas e/ou magníficas com as delicadezas & brutalidades comestíveis de um box típico (tipo assim como são típicos os lugares nordestinos em uma novela global).
e sair comendo curau e pé-de-moleque no papel de café-da-manhã.

*

filme noir.


""""
` ´
^
~


de noite eu sinto saudades de Moorea
mas sonho com as ruelas medievais de Assis - e o sol, o mesmo sol dos dois lugares me torrando a cabeça.

também tenho nostalgia do sol dos extremos, que nunca se põe ou nunca chega.
hoje tinha uma foca ronronando no telefone, eu entendo bem o que dizem as focas.
mas não vou voltar tão cedo.

*

invejo suas asas, as minhas são transparentes demais, instáveis demais, me deixam na mão de repente.

*

Mutarelli

sábado, 6 de novembro de 2004

derradeira estação

não quero mais ouvir sua batucada
digital
(informática metralha
sub-UZI equipadinha com cartucho musical
etc)

em Faluja pelo menos há um sentido, uma lógica, uns inimigos circulando pra lá e pra cá.
aqui até os cachorrinhos fofos matam velhinhas e posam pros jornais com as meigas linguinhas lambuzadas de sangue.

mas pensa que eu asso a mente nas chamas do inferno cotidiano? pois o vapor tremulante que se desprende do cimento fervente provoca miragens, e vejo coisas lindas.
não sei quantas vezes subi o morro cantando.

*

falando nisso, o puxa-saquismo é uma coisa abjeta.

*

(não tem nada com isso, apenas lembrei).

*

existe uma espécie de dependência entre atacante e vítima, se é que me entende, e tudo flui naquela gosma.

*

argh.

*

mas funciona, funciona.
abjetamente funcional.

*

(reparemos que puxa-saquismo não é o mesmo que elogio.
geralmente somos generosos e até perdulários nas críticas e mãos-de-vaca pros elogios.
porque não queremos parecer puxa-sacos abjetos, é compreensível.
mas temos que equilibrar melhor isso, pra não sair inventando defeito onde não tem e disfarçando nossa admiração embaraçosa).

*

aliás, inventar defeito pra tudo e todos que não correspondem às nossas mais viajantes expectativas: praticamente um esporte planetário.

*

é até engraçado assistir o processo de completar as lacunas do desconhecido com o que já é sabido e mastigado, a aplicação de estereótipos para enquadrar pessoas e atos inexplicáveis em modelos compreensíveis pelas mentes simples e a crença inabalável no poder da própria imaginação.

*

foi assim que Bush se reelegeu, parece.
os crentes, os simples, os tementes do desconhecido e um mundo decifradinho em dez lições.

*

mas no poder da imaginação pode-se acreditar sem censura, quando seu ofício é inventar mundos paralelos e eles são tão mais fáceis de habitar.

*

e também é inevitável reconhecer que todos enquadramos pessoas nos nossos preconceitos, e fazemos quase tudo o que criticamos, porque viver na prática conforme as boas regras é muito complicado mesmo e decifrar gente é tarefa pra uma vida longa.


*****


linka o meu que eu linko o seu:

entabular interações indiretas com carentes de popularidade, afeto digital e/ou discípulos pode fazer mal à paciência.

*

blogs e outros canais virtuais são espaços para as pessoas dizerem o que pensam.
e muitas vezes não precisamos ouvir uma segunda opinião.

*

pode-se tentar dizer o que os outros pensam, há quem prefira.

*

ah, e se esquecemos de botar aquele ícone indicador de ironia, as pessoas que mandam cartas de protesto contra os artigos do Agamenon Mendes Pedreira ficam sem entender muito bem.

*

também pode-se tentar manter comentários públicos e blog afastados como se fossem pimenta & olhos, imagina receber um assim

oie!!
nosss mto loko u blog!
passa lah nu mew dps, oks?
flw
=*******

definitivamente, não ia prestar.

*

alguns contatos imediatos de avançados graus ainda devem ser mantidos, porque Denise ainda está chamando.
mas é um grande alívio o encerramento de uma fase de confusão entre discursos fictícios e identidade, entre facilidade de comunicação e amizade.
a fase de máscaras, máscaras, máscaras e efeitos especiais.

*

restaria apenas o saudável da proposta.

*

vivendo e aprendendo.

*

sonhar não custa nada.

*

mas não, ainda não acabou.
quanto a mim, não é verdade que não leio mais blogs.
alguns eu leio com imenso prazer, e são descobertas recentes.
alguns eu li desde o início dos tempos e lerei enquanto existirem.
meia dúzia no total, e não é um modo de dizer.

*

mas você sabe, o mundo muda quando o eixo dos seus interesses se desloca para um universo desblogado.