domingo, 11 de dezembro de 2005

(o link para os desenhos aí ao lado está funcionando novamente.
é um caderno/diário gráfico - nem tão diário assim, é mais um "esporádico gráfico", por isso estou falando baixo dentro de parênteses para que não me cobrem constância na postagem - mas vocês sabem que gosto muito de fazer lambuzeira com tintas e cola e estou me divertindo pra caramba.)

uploadando para inaugurar 2006: tem mais desenhos no link seguinte, ilustras antigas publicadas e produção sem compromisso.
feliz ano novo.

uploadando novamente, em abril: continuo postando no diário gráfico e no blog de desenhos, passem lá de vez em quando que a porta não tem trinco.
e felizes feriados, que neste ano são muitos.

sábado, 27 de agosto de 2005

Depois da tempestade vem outra.

Lara Croft e Melinda Thompson surgiram do nada detrás das nuvens para me salvar. Com seus róseos focinhos e orelhas de veludo pediram seu preço, e paguei sem barganhas. Mudei meu fuso horário e me formei em guerrilha na selva com mestrado em sobrevivência no arame, porque, ou era isso, ou a adoção de olhinhos tristes do Morro do Telégrafo.
Mas aqui me tens de regresso, descendo o morro montada em meu cavalo preto, a silhueta contra o por-de-sol, e duas sombras longas me seguem desde as cercanias de Ypacaray.
(Xi, esqueci meu chapéu em cima da mesa).
Lara Croft puxava trenós na Terra do Fogo. Melinda uivava para os cactos no Vale do Silício. Nós nos encontramos sob a fria lua de cerâmica de um deserto e seguimos os rastros da civilização - que está sempre más allá, miragem que é.
Hoje foi queimada a última palhoça, e aqui estamos procurando restos de comida para assar na brasa, como boas sobreviventes que sempre seremos.

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Sinto muitas saudades da água que se vai, se vai, se vai ladeira abaixo.
E da tampa da garrafa que ele jogou fora sem ver os olhos assustados em duas letras arregaladas, tadinha.

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Tenho fome de notícias. E, muito mais, da interpretação das notícias, do destrinchar dos acontecimentos, do remexer das entranhas e tripas além das aparências. Sinto a básica necessidade de aulas, debates, cadernos especiais e certezas organizadas em tópicos e capítulos, notas de pé de página e muita bibliografia de apoio.
Sinto urgência do blablablá-de-segurança dos comentaristas de noticiários da tv, especialistas no assunto com doutorado e cátedra nas universidades de prestígio, os que explicam, no calor dos acontecimentos, todos os motivos pelos quais torres, metrôs e shoppings explodirão, a fome abaterá, a doença exterminará, o fogo consumirá e a água potável acabará, as balas perdidas nos encontrarão, as cidades submergirão com o ataque das tsunamis assassinas e todo projeto político sucumbirá ao jogo dos corruptos.
Sem eles eu fico achando que a notícia não tem muita importância, afinal.
A dimensão dramática do cotidiano, o que nos faz quase heróis da resistência ao Mundo Cruel, o que dá sentido, intensidade, consistência às nossas vidas ordinárias é a macro-explicação fundamentada e segura do Mal Inevitável.
Depois de saciada, vou à praia arrastando o peso da minha importância de cidadã consciente - para esquecer por lá tudo o que não seja sol, sal e sul se descobrindo em tanto azul.

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Por falar nisso, desejaria comunicar-lhes que deste momento em diante sou hippie em estado contemplativo, ou psicótica, ou uma alucinógena flor do campo e não me importo mais.
Desejaria, eu disse - mas não sou nada disso e ainda me abalam as questões da existência, que droga.

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Ah, ainda não contei das novas gerações que cultivo em vasos na janela da sala.
Bonitinhas e repolhudas que estão, regadas com planos de futuro diluídos em meio litro de água da bica.
Tá bem, é placebo, mas funciona.
Elas se dirigem para a frente e para o alto, com os bracinhos esticados, como girassóis.
Não querem mais do que têm, carinho e cuidado.
Quando chove ou venta forte, eu recolho os vasos para dentro da sala para não queimar as pontinhas tenras.
Não deixo os passarinhos se aproximarem, eles voam e dão mau exemplo.
Estão brilhantes e viçosas, as novas gerações sob o meu teto. Já sabem ler, escrever, contar e cantar hinos de louvor ao sol, e a mim.
De noite choram um pouco, e dormem abraçadinhas.
Acho que no ano que vem cultivarei cenouras, que dão menos trabalho.

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sexta-feira, 3 de junho de 2005

o dia amanheceu cantando

cada degrau da escada me revelava mais um pouco do sentido da vida
- porque se a vida tem um sentido, é este: subir escadas
e ao chegar no alto, sobre todas as coisas, entendemos absurdamente,
totalmente, indubitavelmente quem somos, de onde viemos, para onde vamos;
a noite fica lá fora, a janela tem 17 polegadas e 48 cortinas grossas;
apenas um contato online vela pelas horas mortas;
um teclado sem parênteses, a constatação de que são dispensáveis
- tudo é substituível se a alma não é pequena;
a música ao longe - sempre há uma sublinhando as revelações importantes, mesmo que seja um ringtone;
e a noite passa lá fora ignorada - hoje não quero ver este filme repetido pela milésima vez, com efeitos especiais mirabolantes e atores canastrões demais.
a vida revelada se nos apresenta em forma de dilemas: o que fazer amanhã, antes que seja tarde demais?
o mundo não vale a minha cama, dizia um quadrinho de madeira da loja mineira, com um coqueiro estampado a fogo. acho que era isso.
mas é preciso muito esforço para alcançar a luz, e desço a escada correndo na manhã seguinte até a rua ensolarada
invertendo o sentido da vida.

quinta-feira, 2 de junho de 2005

And more, much more than this,
I do it my way.


O mundo é um lugar de onde não se pode fugir -
os vigilantes estão em toda parte
nas linhas de produção com suas leis e costumes moldando comportamentos em bloco,
seus olhões de big-brother vigiando nossa ginástica obrigatória matinal
e as palavras proibidas.

Sim, este é um discurso da adolescência, registrado para a posteridade na última página do caderno de Português, já que os blogs ainda não existiam.
Todo mundo já teve um.
Desde 1984 - o livro - descoberto aos dezesseis anos, a ficção ameaça o Planeta Ideal onde eu cresci entre familiares, vizinhança e professores controladores, com um futuro supercontrolado por instâncias governativas com poder absoluto, ainda maior que o dos meus pais, sobre meu destino. Hum... seria o Reino Unido, onde o sol nunca se põe? Seriam os Estados Unidos? a União Soviética? seria a União Galáctica? tanta união assim, só pra ferrar com os indivíduos dispersos, e com as meninas que nunca poderiam chegar em casa depois das 22 horas.
Essa aflição de não haver escolhas, só obediência - e alguma revolta esporádica, mixuruca e facilmente debelável - me assombrou por longos anos, os da ditadura inclusive.
Mas na real, no passado ou no presente vivido, não foram e não são tanto as instituições oficialmente repressoras, mas principalmente as "pressões sociais" vagamente identificadas que exerceram e exercem o controle do comportamento.
Sim, eu sei que você sabe que todos sabemos que os vilões mais óbvios são os meios de comunicação, que são a mensagem, e a propaganda, que é a alma do negócio, e seu conhecido elenco de ordens - coma, veja, ande, compre, sinta, seja - que, envergonhados de nossa inferioridade frente aos modelos do que deveríamos ser, obedecemos.
Mas não vamos esquecer dos manuais de conduta das novelas e testes das revistas femininas, dos conselhos de auto-ajuda distribuídos - por módicas quantias - por magos, anjos e celebridades BBB, e dos regulamentos de condomínio, e dos especialistas com seus laudos incontestáveis, e "famosos" que palpitam como autoridades em assuntos que desconhecem, e autoridades reconhecidas que palpitam nos demais assuntos que desconhecem, e boatos ou fofocas que viram notícia sem necessidade de comprovação - e por todo lado um público ansioso por repetir e imitar e acatar o que não entende, e nem quer se dar ao trabalho de entender.
Vítimas de injustiças, reclamamos com piadas e ranzinzamos em filas, e este é o máximo de protesto coletivo que brota das tais massas oprimidas por rolos de fazer pastel.
Oh, a revolução que não veio. A revolução mundial dos próprios narizes, digo, dos costumes, aquela que nos tornaria senhores [e senhoras, claro] do destino, a impossível revolução para conquistar a renúncia ao poder sobre os outros. Como é bom, e autoritário, sonhar com um Futuro Feliz para Toda a Humanidade.
Geralmente a gente perde as ilusões megalomaníacas e desiste da luta assim que conhece a tal Humanidade - que, aliás, nunca pediu para ser libertada - mais de perto, mas daí a abdicar do poder de decisão sobre a própria vida, vai uma longa distância.

Mas vem cá, este encaretamento acelerado do mundo não está te incomodando?
Pois o avanço do lado afro-descendente da Força está me assustando como um filme de terror sobre as ditaduras do futuro.
Essas crenças medievais desenterradas se transformando em lei, e a interferência agressiva de uma "censura social" a costumes e comportamentos diferentes dos padrões classe-média-anos 50, e cartilhas de palavras "desaconselháveis", e gente disposta a recuperar algemas partidas a muito custo, e as regras da "modernidade" padronizando o que já foi liberto de fôrmas e bitolas no passado.
E o povo, o povão sempre excluído, tomando enfim o poder: as armas do tráfico e os pastores de seitas ditando as únicas leis respeitadas no país.

Mas por que me incomoda tanto o progresso do atraso, se sou adulta faz tempo e tenho o direito de resolver o que faz bem ao catzo da minha vida cheia de som, fúria e esplendor, sem ligar para os julgamentos alheios?
É que, por exemplo, se eu fumasse, certamente logo-logo um cidadão respeitável e consciente tomaria o cigarro das minhas mãos e jogaria no lixo, pra meu próprio bem - a mesma coisa que me assustava na adolescência.
Mas não há como fugir da correnteza social que sempre puxa pra trás, nem deixando a Grande Cidade, nem deixando a Cidade do Interior, nem abandonando o Terceiro Mundo, nem percorrendo a Terra de geleiras a desertos, nem singrando mares distantes atrás da onda perfeita.
O paraíso apenas dentro de você está, Padawan.

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Então, temporariamente de volta ao meu Paraíso Primitivo, começo a exercitar a tolerância cada vez que piso na rua. E pra me divertir, faço planos. Resolvi trocar a moto dos sonhos por um carro esquisito para suportar este trânsito e afastar o crime da minha janela. Uma Parati vermelha de portas amarelas, ou com girassóis pintados. Uma Land Rover de 1970. Uma jardineira de lados de madeira, dos anos 50. Uma picape de surfista, com uma prancha cenográfica fixa no bagageiro do teto e ondas aplicadas nos lados, tipo flames, com respingos de resina no vidro. Uma Marajó como a que eu tive, valente, poderosa, cheia de lama nos pneus e com o cachorro no porta-malas. Aliás, todas elas off-road, fora de linha, valentes, poderosas, de personalidade forte, de baixo IPVA, nenhum alarme e com o cachorro no porta-malas.
E passageiros nos demais bancos, que disso eu sei que não escapo.

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Fomos ao cinema num horário de pico mas não pudemos entrar, tudo cheio. Para não perder a noite viajamos até o outro lado da baía, pra ver nossa cidade de frente.
Brindamos à nossa volta à vida caótica, à linda vista, e principalmente ao bar, delícia das delícias.
A porta do banheiro falava como Chewbacca, mas não entendi o que queria me dizer.
Voltamos ao cinema outro dia no horário do almoço, morrendo de medo das senhoras-que-assistem-filme-como-se-vissem-novela-em-casa. Elas conversam alto e comentam e gritam "não faz isso, meu filho, sai daí, ele quer te matar". Mas felizmente não apreciam aquele tipo de filme barulhento que perturba sua conversa.

A tecnologia de ponta é um mistério para os técnicos. Faltou som e não sabiam consertar. Depois o som consertou-se sozinho, e não podiam repetir o pedaço do filme prejudicado, porque levaria 40 minutos para reiniciar. Então ficou por isso mesmo, e nós perdoamos tudo por penitência, por termos acreditado tão inocentemente nos superpoderes da tecnologia.

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E você viu, não viu?, aqueles robôs que se reproduzem sozinhos. E um documentário da Discovery com os clones que não deram certo e não são divulgados pela imprensa, com malformações que o pior monstro de ficção não ousou exibir.
Nada contra o avanço das pesquisas. É só pra dizer que prefiro que os robôs se reproduzam sozinhos, desde que sejam imunes à fome de lucro que pode transformar os humanos em monstros que se reproduzem com assistência.

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Ah, não pense que eu detesto tudo o que critico. Eu adoro isto aqui, e as férias fora da temporada, e falar besteira, e fazer besteira, e viajar hippiemente desarmada pelo mundo cruel e ameaçador, e dançar numa festa de fantasmas, e voar perigosamente sobre suas cabeças indefesas, e escrever blog sem identificar os leitores.

Um dos livros que adorei ler foi o Homem dos Dados, que regia sua vida apenas pelo acaso, mas nunca tive coragem para chegar a tanto: "se o planejamento e o razoável nos conduzem ao inferno de vida que conseguimos ter, por que temer os resultados de decisões completamente aleatórias?"

Eu sei que você nunca vai se perdoar pelas oportunidades desperdiçadas, eu sei, eu sei. Mas siga em frente, que atrás vem um caminhão sem freios.

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Sem mais, me despeço desejando a todos um feliz natal e próspero ano novo.

sábado, 28 de maio de 2005

E essas receitas de felicidade? Mude sua vida, elas dizem. Transforme, sacuda, recomece, refaça. Fico pensando por que será que não vale gostar da vida que se tem, e querer simplesmente conservá-la assim, longe de toda mudança - se fosse possível.
Mas eu entendo. Passo horas olhando e entendendo as coisas. Visto lá do alto nada intimida, nada significa tanto, tudo pode desaparecer na goela do vulcão a qualquer momento.
Não há teoria que explique a satisfação da natureza ao avançar sobre nossas construções abusadas e retomar o que lhe pertence, aquele solzinho sorrindo vitorioso depois da lambança. As formigas têm razão, as traças têm bons motivos, os mosquitos, aranhas, e os bichos pernudos que saem dos ralos têm justificativas apropriadas, a tempestade, o vendaval, o terremoto, o mar enfurecido, o gelo e a lava sabem o que fazem. Disputa de território, justa e honesta. Que vença o melhor.

Acho que um dia desses seremos extintos mas, até lá, como persistentes perdedores, ainda nos resta começar de novo.


Tenho que comprar um despertador. O periquito bicou meu nariz e fechei a janela, mas quando o helicóptero parte ao clarear o dia eu volto pra cama e durmo tão profundamente que nem ouço aqueles gritinhos escandalosos pedindo comida. Ele é viciado em comer cedo, eu sou viciada em sono de manhã, defendemos nossos vícios até as últimas forças, mas me incomoda a culpa de conviver com um periquito rouco.


E falando em bichos, Gauguin pulou a cerca e vai ser pai. A vizinha está grávida - a canina, bem entendido - e eu jurei que não queria mais bichos no meu reino, mas acho que um filhotinho só, só um mesmo, apenas UM filhotinho, um único cachorrinhozinho pequenininho, não desequilibraria a Força.


No dia em que o céu desabou fui ler os jornais na beira da praia, claro que antes do tempo fechar, e o dia parecia tranqüilo, um trabalho em fase de finalização, uma viagem no fim da tarde e uma saudade em vias de ser morta sufocada e estrangulada por abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim, mas aí vieram as nuvens pretas, o vento, umas chicotadas de areia, um jornal voando até o mar com grandes asas atrapalhadas, uma chuvarada que entrava pelos olhos e um pedaço de telhado ameaçando aterrisar fora da pista de pouso.
Eram os marcianos chegando. Você fala minha língua?, perguntei como nos filmes, mas todo mundo sabe que eles só falam inglês.
Então tomaram a área em segundos e transformaram a Civilização em destroços e cinzas.


Pois agora estamos de férias, numa dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito, vários e múltiplos dias longe daquela região além da imaginação, do espaço intermediário entre a luz e a sombra, que se encontra entre o abismo dos temores do Homem e o cume dos seus conhecimentos, ou algo assim.
Estamos de volta aos sustos normais, tiroteios, emboscadas e, por que não? tufões [superchique este clima de primeiro mundo].
Mas aqui nunca faz frio. Que droga.

quarta-feira, 4 de maio de 2005

Não me incomodam os clichês. Clichês são amiguinhos. Clichês não explicam e não complicam, não justificam e não pretendem, não esgotam e não completam.
Clichês podem ser descongelados à temperatura ambiente, em banho-maria ou em qualquer tipo de forno, e em poucos segundos seus problemas acabaram/nunca existiram. Ou permanecem protegidos da indiscrição do mundo.
Clichês irritam, eu sei, e como irritam. Mas não matam. O que mata é a necessidade de se deslumbrar mais uma vez com as lombrigas trapezistas do Pior Circo do Universo.

domingo, 17 de abril de 2005

agora eu sei que as palavras impronunciáveis escorrem pelo nariz e, uma vez na luz do mundo, cobrem as cidades com seus trovões em decibéis assustadores.
não, não era isso o que eu queria dizer.
só queria dizer que acordo impressionada com o enorme barulho do desconhecido que ruge lá de dentro, o boi cruel da cara preta que arranca braços de criancinhas e come maltrapilhos acuados em becos.
também não ia dizer isso, mas já que disse não vou explicar melhor.
eles não querem nada mais que um pouco de esperança, e escavucam chãos e paredes, arrancam tacos, incendeiam o mato em volta da casa, levitam sobre a vila com uma lupa e tudo o que encontram são escombros do que destróem todos os dias, malditos esperançosos.
e eu, que só digo o que não quero, faria melhor se fosse até a praia pegar umas ondas.



Docebel correndo pela rua imaginando campos de margaridas, aspirando vapor de gasolina do posto e sorrindo feliz pro sol das duas da tarde, os pezinhos colando no asfalto derretido.
Docebel é idiota de nascença.



já lhe disse que tenho o direito de usar meus superpoderes para eliminar alguns incômodos da minha vida. e uso, mas com moderação.
quando meu horóscopo recomenda: "hoje é dia de cianureto no cafezinho das visitas inoportunas", eu ponho uma vassoura atrás da porta e invento uma desculpa amável e claramente esfarrapada pra sair rapidinho.



é o seu jeito de professor, é a sua falta de jeito pra todo o resto, acho que são os olhos que não piscam, presos num ponto do ar. é o clarão da estrela no fundo do poço, é a surpresa armada no alto da árvore, é a chuva de sustos em pétalas e os carinhos amarrados como lenços saindo da cartola, a viagem sem fim.
meu bem-querer.

domingo, 10 de abril de 2005

tem um sagüizinho de rabo listrado morando na mangueira aqui embaixo da janela.
ele pia como quem manda beijos, como piam os morcegos, como piam altíssimo os filhotes de passarinho em suas fomes insaciáveis.
só ontem lembrei que morcegos não se manifestam de dia e, procurando um ninho, achei um rabo e depois uma cara pequena e familiar, de parente distante, me olhando de longe.
ele pia e abre janelas entre as folhas da mangueira.
eu também lhe mandei beijos, e ficamos assim trocando mensagens amorosas por um longo tempo:
"como vão todos?" "bem, as crianças cresceram e se enfiaram nos buracos do mundo" "encontrei um primo seu faz tempo, na Gávea, pegando frutas no quintal da Escola Parque" "aquele morreu no fim do ano, de pedrada, e foi parar numa panela" "ah, esta cidade e seus famintos sem sentimentos solidários para com outras espécies em extinção..."
mas tive que abandonar a conversa porque chegou a hora de viajar. não houve tempo de lhe dar conselhos, o que por um lado sempre é ótimo, mas por outro, sei lá, eu lhe teria avisado para não aceitar sobras de comida humana, fast food, batata frita redonda e ovinhos de amendoim.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

Maíta e Gauguin são praticamente um casal. Tirando o fato de que ela é mula e ele cachorro, no mais são muito parecidos e comungam dos mesmos ideais e crenças, inclusive a de que são os verdadeiros donos da casa. (E talvez sejam, por direito de usucapião, já que passamos parte do tempo nos ares. Mas não podemos nos esquecer dos gatos Tica e Teco, donos da parte interna por direito de ocupação).
E observando o fato de que somos também um casal misto de gaivota e leão-marinho-voador - e tudo o mais nos une, resolvemos festejar o ano que se inicia com uma cerimônia de casamento coletivo (o que não implica em sexo com animais, bem entendido).
Enfeitamos a casa com hibiscos vermelhos e estrelas do mar, catamos na despensa as guloseimas para um banquete tropical e nos fantasiamos de noivos com os objetos e tecidos disponíveis, e diante da lua juramos amor eterno. Diante do sol também, pra não desequilibrar.
E hoje, diante dos raios e trovões de Iansã, juramos que a eternidade é agora e não vamos desperdiçar nem um minuto das nossas vidas. Você sabe, até as ilhas paradisíacas afundam.


        


(Ah, crianças: não tentem nos imitar sem a supervisão de um adulto, a falta de criatividade pode lhes ser fatal.)


Você pode não acreditar, por causa de todo esse clima de férias, mas tenho trabalhado mais que a Maíta. E mesmo gostando muito do que ando fazendo, tem dias que acho que toda a energia escapou por um furinho não localizado, e só esta vida insular animada me ajuda a levantar.
O resultado mais imediato da fadiga é uma certa aversão pelo computador no tempo de lazer. Parei mesmo.
Só vejo o indispensável e recuso convites. Mas quando estou na minha sede copacabanense, no meio do tumulto megalopolitano que ironicamente chamam de civilização, o computador me parece um refúgio de paz, tranqüilidade e ficção, como aquelas diversões futuristas onanistas dos filmes antigos. E volto aqui para dizer que não voltarei mais, mas você sabe que não é verdade.

Então, até um dia.