sábado, 28 de maio de 2005

E essas receitas de felicidade? Mude sua vida, elas dizem. Transforme, sacuda, recomece, refaça. Fico pensando por que será que não vale gostar da vida que se tem, e querer simplesmente conservá-la assim, longe de toda mudança - se fosse possível.
Mas eu entendo. Passo horas olhando e entendendo as coisas. Visto lá do alto nada intimida, nada significa tanto, tudo pode desaparecer na goela do vulcão a qualquer momento.
Não há teoria que explique a satisfação da natureza ao avançar sobre nossas construções abusadas e retomar o que lhe pertence, aquele solzinho sorrindo vitorioso depois da lambança. As formigas têm razão, as traças têm bons motivos, os mosquitos, aranhas, e os bichos pernudos que saem dos ralos têm justificativas apropriadas, a tempestade, o vendaval, o terremoto, o mar enfurecido, o gelo e a lava sabem o que fazem. Disputa de território, justa e honesta. Que vença o melhor.

Acho que um dia desses seremos extintos mas, até lá, como persistentes perdedores, ainda nos resta começar de novo.


Tenho que comprar um despertador. O periquito bicou meu nariz e fechei a janela, mas quando o helicóptero parte ao clarear o dia eu volto pra cama e durmo tão profundamente que nem ouço aqueles gritinhos escandalosos pedindo comida. Ele é viciado em comer cedo, eu sou viciada em sono de manhã, defendemos nossos vícios até as últimas forças, mas me incomoda a culpa de conviver com um periquito rouco.


E falando em bichos, Gauguin pulou a cerca e vai ser pai. A vizinha está grávida - a canina, bem entendido - e eu jurei que não queria mais bichos no meu reino, mas acho que um filhotinho só, só um mesmo, apenas UM filhotinho, um único cachorrinhozinho pequenininho, não desequilibraria a Força.


No dia em que o céu desabou fui ler os jornais na beira da praia, claro que antes do tempo fechar, e o dia parecia tranqüilo, um trabalho em fase de finalização, uma viagem no fim da tarde e uma saudade em vias de ser morta sufocada e estrangulada por abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim, mas aí vieram as nuvens pretas, o vento, umas chicotadas de areia, um jornal voando até o mar com grandes asas atrapalhadas, uma chuvarada que entrava pelos olhos e um pedaço de telhado ameaçando aterrisar fora da pista de pouso.
Eram os marcianos chegando. Você fala minha língua?, perguntei como nos filmes, mas todo mundo sabe que eles só falam inglês.
Então tomaram a área em segundos e transformaram a Civilização em destroços e cinzas.


Pois agora estamos de férias, numa dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito, vários e múltiplos dias longe daquela região além da imaginação, do espaço intermediário entre a luz e a sombra, que se encontra entre o abismo dos temores do Homem e o cume dos seus conhecimentos, ou algo assim.
Estamos de volta aos sustos normais, tiroteios, emboscadas e, por que não? tufões [superchique este clima de primeiro mundo].
Mas aqui nunca faz frio. Que droga.

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