agora eu sei que as palavras impronunciáveis escorrem pelo nariz e, uma vez na luz do mundo, cobrem as cidades com seus trovões em decibéis assustadores.
não, não era isso o que eu queria dizer.
só queria dizer que acordo impressionada com o enorme barulho do desconhecido que ruge lá de dentro, o boi cruel da cara preta que arranca braços de criancinhas e come maltrapilhos acuados em becos.
também não ia dizer isso, mas já que disse não vou explicar melhor.
eles não querem nada mais que um pouco de esperança, e escavucam chãos e paredes, arrancam tacos, incendeiam o mato em volta da casa, levitam sobre a vila com uma lupa e tudo o que encontram são escombros do que destróem todos os dias, malditos esperançosos.
e eu, que só digo o que não quero, faria melhor se fosse até a praia pegar umas ondas.
Docebel correndo pela rua imaginando campos de margaridas, aspirando vapor de gasolina do posto e sorrindo feliz pro sol das duas da tarde, os pezinhos colando no asfalto derretido.
Docebel é idiota de nascença.
já lhe disse que tenho o direito de usar meus superpoderes para eliminar alguns incômodos da minha vida. e uso, mas com moderação.
quando meu horóscopo recomenda: "hoje é dia de cianureto no cafezinho das visitas inoportunas", eu ponho uma vassoura atrás da porta e invento uma desculpa amável e claramente esfarrapada pra sair rapidinho.
é o seu jeito de professor, é a sua falta de jeito pra todo o resto, acho que são os olhos que não piscam, presos num ponto do ar. é o clarão da estrela no fundo do poço, é a surpresa armada no alto da árvore, é a chuva de sustos em pétalas e os carinhos amarrados como lenços saindo da cartola, a viagem sem fim.
meu bem-querer.
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