sábado, 7 de agosto de 2004

Definir margens, diz ali. Cumpra-se. Definirei as margens:
Do lado direito você pode ver o mar, a montanha, o céu, o cenário pintado pro carnaval.
Do lado esquerdo você pode vislumbrar as coxias, as embalagens, a sucata, o lixo, o isopor, os ferros, os arames, os grampos, a armação.
Em cima você pode observar as câmeras que nos observam.
Embaixo você pode adivinhar o mundo que fervilha sob este terreno, os passinhos apressados de formigas que se esbarram pelas trilhas e trombam as cargas com as paredes do túnel; a barriga suja de barro das minhocas; o fluxo nervosinho de tudo o que corre nas veias, nos canos, no avesso, nos fios, nas raízes, nas tumbas, nas galerias úmidas cheias de morcegos góticos do metrô, nos porões do pensamento e do desejo.



CORAÇÃO SELVAGEM (Wild At Heart, EUA, 1990, David Lynch)
cartazes internacionais do melhor filme de David Lynch.



Horror nas almas simples


De acordo com Pereira, reforça-se hoje a confusão, com repercussões no cotidiano, entre os termos "transgressão" e "perversão". A transgressão questiona a realidade, mas a violência perversa apenas perpetua o que já está estabelecido.

(..)

"Uma vertente é a da crueldade como potência para dissolver o que nos aflige, ou seja, a crueldade como princípio desconstrutor. Nesse sentido, ela é a maior aliada na luta contra a crueldade fetichizada do contemporâneo. São duas formas que às vezes se confundem, mas a primeira gera pensamento de fato, uma intensidade, e a outra serve apenas para "épater les bourgeois", insere-se no contexto de banalização" diz Paula.


(Sobre o tema do livro "Estéticas da crueldade", Atlântica Editora, "reunindo artigos de pesquisadores do Rio que discutem as expressões da crueldade - ou as expressões cruéis - na arte e na mídia contemporâneas. São textos que abordam a maneira como a crueldade, esse subproduto da violência, tem se infiltrado nas subjetividades". É organizado por Ângela Maria Dias e Paula Glenadel, professoras de Literatura da UFF.)

guardando proporções devidas, pensei muito sobre isso vendo o Anima Mundi.
o que provoca a reação catártica nas platéias.
o conformismo cruel.
é chocante.
não pelas bigornas, tratores ou armadilhas, o que é parte do código dos desenhos animados, mas pela insistência da crueldade gratuita (sem graça e sem função, já que nem todo roteirista é Matt Groening, Trey Parker ou Matt Stone) como solução para as gags.
o que choca é a pobreza.
nos tempos de reinado Disneyano, fechar as cenas de humor com bebês, velhinhas, amiguinhos ou animais fofos triturados já foi revolucionário.
mas é que tá lembrando muito mais Comichão e Coçadinha do que Tom e Jerry, se é que me entendem.



no entanto, vos digo que aprecio muito tudo isso.
Dunia




os dias são mais curtos neste hemisfério lunar.


me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios.




O Paraíso Visto Pelo Retrovisor Do Meu Carro

camaradas, mudei

me mandei do meu corpo morto

do meu modo torto de pensar

hoje, nada passa por mim

sem que eu deixe um amassinho

me saí tão perfeito

que os defeitos restantes

parecem enfeite do meu cérebro mutante

estive até pensando em ter um filho

para que a espécie frutifique e modifique a humanidade

me saí tão perfeito que tornei-me imune à tristeza

ou a qualquer sentimento mesquinho

não mais sonho com princesas de peles ásperas

habitando castelos destruídos

sonhando com o que não existe

fiz apenas isto:

tirei as teias de aranha da cama

a cama do quarto

o quarto do apartamento

o apartamento do nono andar

para que as nuvens possam vagar

sem serem atropeladas

estou morando no campo

numa casa de vidro

onde nada escondo

dos olhos insanos

pois minhas asas são as mãos de Deus

_________________________________

falta uma hora para tornar-me eterno

ou ser esquecido para sempre

(Angelo Rozalen)



no blog do Mário Bortolotto.




eu também tenho algo a dizer mas me foge à lembrança.





encerrando julho
tenho sorte. quando não dá pra escapar da pedrada, acontece levinha, pedra cenográfica de isopor.
tipo sair de acidente de carro com duas manchas roxas na perna.
então, ao catar suas bolsas teoricamente guardadas no quarto, pra deixar a festa, umas dez pessoas descobrem que foram roubadas. eu também. alguém resolve procurar na rua e começa a encontrar carteirinhas de assinante, de usuário, de membro, de identidade, cpfs e escovas de cabelo pelo chão. e minha bolsa cheia das minhas coisas e de coisas alheias. tudo lá. ou quase, o ladrão só quis 5 reau (dado que os valores minimamente cobiçáveis que cabem em bolsas ficaram dormindo em casa, recarregando baterias).
por isso venho aqui agradecer de público às forças transcendentais mancomunadas, que mais uma vez me livraram de um sufoco, como ter de refazer todos os documentos. obrigada, valeu mesmo.
(ah, e fez frio, eu pude usar meu casaco peludinho).




eu voltei.

lembrei que também tenho asas e voltei, aqui é o meu lugar.
(mas lá também é, e todo o espaço existente, um horizonte em expansão é a logomarca dos viajantes).
la donna è mobile.
quase aprendi a pilotar helicóptero, mas ainda tento pousar na copa das árvores.
vim rever meu quintal.
mas sempre que a sombra do pássaro sobrevoante passar por minha janela eu retorno pro meu aconchego no meio do nada.
as aves que aqui gorgeiam não gorgeiam como lá.
aquela ilha, isla, insula, isola, é tudo o que tenho de privado no mundo, o resto é um blog aberto.
(que às vezes fecha. definitivamente, por uma semana).
mas nada disso me importa mais. não quero explicar. não quero tomar cuidado. não quero me conhecer melhor. não quero te conhecer. não quero mudar de vida. não quero cristalizar nesta vida. tá tudo bem, a não ser quando vai mal. quero continuar transbordando. às vezes isso enche. às vezes não sobra nada. às vezes eu esqueço. às vezes eu esquento.
meu aniversário tá chegando.
inferno astral é a vontade de ter tudo ao mesmo tempo agora e já.

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