quinta-feira, 22 de abril de 2004

das cartas (2):



como é que algumas músicas conseguem atingir a parte mais funda da tristeza da gente? você tá ali sem pensar em nada, e aquele som te dá vontade de chorar muito, só por ele mesmo, sem que esteja associado a nada e a ninguém.
tem uma assim que, de tão triste, o link permanente foi inevitável: sempre que ouço imagino como fundo pra algumas memórias importantes da minha vida, como nas cenas de filmes em que a música é lenta e profunda e todos os outros sons são inaudíveis, mas existe muita ação violenta e você vê tudo se acabando, todos os sonhos pisoteados pelos cavalos em câmera lenta.



pois arrumei três vasinhos de metal, um laranja, um verde-limão e um amarelo, pra botar plantas na mesa nova do computador. porque já tem tudo que é enfeite que me dá prazer compartilhando o espaço, menos alguma coisa viva pra dividir comigo o embate com esta máquina do demo que tudo domina e desequilibra a Força. mas esqueci que a cortina não abre daquele lado, qual a planta que vive sem luz? a artificial, é claro. e agora, onde é que vou achar uma planta artificial viva?



não foi uma simples mudança, percebe? também não foi um recuperar-se depois da fraqueza, nem um renascer borboleta depois da hibernação. não foi a milésima ressurreição das cinzas. foi uma morte completa (delete. ok, tenho certeza.), seguida do nascimento de outra coisa diferente.
o velho estoque de hábitos e manias já tinha se acabado há um, dois meses, talvez três, e aquele outro eu se recusava a ocupar o lugar, como se fosse apropriação indébita.
vai daí que aconteceu toda aquela confusão que todos sabem e alguém tinha de agir, e alguém tinha que assumir a autoria dos atos. então o novo eu se apresentou num momento difícil e tomou as rédeas como nunca tinham sido tomadas.





só queria que ele economizasse as palavras de esperança e conforto cada vez que me vê, o tudo-vai-melhorar de cada dia. me deixa em paz com meu bode. tá, eu sei que as coisas vão melhorar, porque no momento piores não ficam.
e se as coisas não entrarem nos trilhos como antes, ou se os trilhos esfarelaram, a gente procura caminhos alternativos, anda a pé pelo lado escuro da lua se for preciso. sou forte nos infortúnios, como todo mundo, mas não preciso sorrir forçado e arquitetar futuros luminosos justamente agora.



o alívio da não-expressão, já experimentou? porque somos opinativos compulsivos e precisamos dar uma palavrinha sobre os últimos acontecimentos, o filme, o livro, o show, o cd, o corrupto da vez, as fofocas das celebridades, o programa do momento e o front de todas as guerras. pescar informações superficiais e já sair opinando com tanta segurança e julgamento feito antes de pensar com calma nos assuntos, antes de poder trocar idéias e impressões, já viu que pressa? mas talvez seja inevitável, é mais fácil começar um debate com afirmações descabidas (que podem mudar) do que com dúvidas declaradas.
pois eu queria evitar isto por uns tempos, a superficialidade dos clichês repetidos, como uma espécie de exercício daquele livro de filosofia prática do Roger-Pol Droit. a quem interessará saber o que me interessa dizer, se eu mesma não me interesso a ponto de procurar conhecer melhor?





essa coisa da exposição que a gente fala sempre, você não acha que é uma tentativa de encontrar os pontos comuns com otimização de esforços? assim, se eu falo só com você, independente de haver concordância ou não de opiniões, você pode nem entender muito bem a minha língua e não estar interessado no assunto. se eu falo pra uma turma, muito provavelmente alguém vai entender, mesmo que discorde, e as interações múltiplas são mais completas e ajudam o raciocínio, mas aquela pode não ser a minha turma nos outros aspectos da vida.
agora, se eu falo pro mundo em geral, é quase um pedido de socorro. por favor, se tem alguém aí que fale nambiquara e conheça o caminho pra Taiambu do Oeste pisque a lanterna três vezes.



nem vem, ninguém tem certeza de nada. se eu penso uma coisa hoje de manhã e de tarde já posso ter mudado, imagina como posso saber o que é verdade nas outras pessoas.
por via das dúvidas estou sempre avisando: não entenda nada meu ao pé da letra, que letra tem é asa.

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