quinta-feira, 15 de abril de 2004

Porque a nossa lógica é diferente e aqui não se aplica

Rocinha

"No último dia 26 de fevereiro, o secretário de Segurança, Anthony Garotinho, havia proibido a entrada do Bope na Rocinha por 60 dias, devido à morte de três pessoas na favela. Ontem, 49 dias após a proibição, o Bope deu a volta por cima. A tropa de elite já havia voltado na semana passada, quando o bando rival de Luciano, chefiado por Eduíno Eustáquio de Araújo Filho, o Dudu, tentou invadir a favela. Até ontem 12 pessoas foram mortas durante os confrontos.

A fama de violento e estuprador de Eduíno deixou os moradores apavorados com a possibilidade de o traficante assumir o comando das bocas-de-fumo na favela. O comandante do 23 BPM (Leblon), Jorge Braga, disse que está preocupado com a Rocinha e seus arredores:

Tudo indica que o morto era muito querido pela comunidade e que o outro é muito temido, disse".

(O Globo, 15/04/04, Polícia mata chefe da Rocinha)


"Lulu, criado no morro, era o assistencialista, fornecia cestas básicas a famílias de cúmplices presos. Dudu, o sanguinário, é tido na comunidade como estuprador, bandido intolerante e agressivo com moradores, principalmente com quem o desobedecesse".

(O Globo, 15/04/04, Dois bandidos em disputa pelo poder)


"Segundo moradores, Dudu gosta de intimidar a comunidade e ostentar suas armas. Horas após a invasão da Rocinha pelo seu bando na sexta-feira, ele chamou vários moradores para uma área da favela e encheu de balas um cachorro que passava pelo local. Era para amedrontar".

"(..)na noite da invasão o bando de Lulu teve a preocupação de mandar moradores vizinhos de bocas de fumo deixarem suas casas para que não corressem risco de vida".


(O Globo, 15/04/04, pg 12)


Enquanto isso, as Forças da Lei e da Ordem...

"PMs acusados de agredir, extorquir, roubar e invadir as residências".

"A maioria das queixas recai contra os policiais do Batalhão de operações especiais da PM (BOPE). No Laboriaux, o piloto de mototáxi AFL contou que na segunda feira foi detido por policiais, que jogaram spray de pimenta em sua cabeça, seus olhos e sua boca. Segundo ele, os pneus de todas as motos e kombis que estavam no local foram furados pelos policiais.
- Vários donos de motos estão sofrendo extorsão. Eles pedem um real de cada um e dizem que é para almoçar.


"(...)contou que os policiais entraram em sua casa sem sua autorização. Quando ele reclamou que os policiais haviam quebrado a tampa da caixa onde fica a bomba d'água, o policial teria dito "não reclama que hoje a porrada tá de graça."

"(...)recebeu um telefonema de vizinhos informando que a casa dela foi invadida por policiais militares que estavam na ocupação. Ao voltar, deu por falta de eletrodomésticos, entre eles um DVD.
- Moro desde os 6 anos na favela e nunca fui roubada por bandido nenhum."


etc etc etc etc etc

(O Globo, 15/04/04, pg 17)
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Acho que todo mundo aqui no Rio, se não mora, conhece pessoalmente pelo menos um morador de favela e sabe que essa história se repete: "bandido" e "mocinho" são categorias variáveis, independentes da "atividade profissional", digamos assim.
Pra comunidade que sofre seus efeitos, é um jogo de pesar vantagens/desvantagens e riscos de vida, muito mais que valores morais abstratos e universais. Isso todo mundo sabe, mas esquece quando pede mais e mais e mais repressão como se fosse solucionar bushescamente os conflitos.
Caramba, nessa luta do rochedo com o mar não vai sobrar marisco pra contar a história.

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