quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

sonhei tantas vezes, queria um fim suave de algodão, uma morte risonha que deixasse lembranças, só as boas. um adeus com champanhe na despedida.
que comédia.
não é bem assim. fins são espinhentos, mesmo quando necessários, desejados e até atrasados. é difícil encarar o fim com saltitância, graça e leveza.
fins são o esgotamento, o cansaço, o corpo doendo e a cabeça apalermada.
fins são alívios, grandes pedras que rolam de nossas costas. mas às vezes caem bem nos nossos pés.
fins são uma espécie de derrota, pras forças que torciam pelo fim quando ele ainda era começo.
fins são a volta do chicote, o bumerangue, o carteiro entregando aquela carta de novela, onde todos os segredos são revelados (você é adotada! este filho é do padeiro! seu irmão roubou sua parte da herança!) mas no leito de morte, quando não há mais o que fazer.
fins são portas fechadas. não adianta se iludir com "venha sempre, a casa é sua", porque não é. nada de mão na maçaneta, agora tem tranca, chave, campainha.
fins são o fim dos planos, daquele armário cheio de coisas pela metade, ou pra consertar depois, ou prestações, ou listas de compras, ou dinheiro no cofrinho, qualquer coisa inacabada ou não começada esperando o futuro.
fins são um gosto de madeira nas recordações que já foram doces. aquela história do pirulito chegando ao fim.
fins são frustrantes. nada acaba do jeito que a gente queria. nada fica do jeito que a gente pensava. nada é esquecido do jeito que a gente precisava. nada parece normal, porque não é normal desacostumar rapidamente dos costumes.
mesmo quando há um novo começo tapando o fim com uma nuvem de gelo seco, ele está lá, existindo depois da extinção, como uma foto kirlian demarcando zonas de ausência.
mas retomando o sonho, quando os trens seguem viagem em direções opostas, por que fins não poderiam ser acenos das janelas e desejos mútuos de felicidade?

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