segunda-feira, 31 de maio de 2004

acho que vou ficar morando aqui por uns tempos.
"aqui", no caso, são vários lugares próximos, isolados uns dos outros (considerando que é um arquipélago) embora comunicáveis entre si por meio de mensagens enviadas em garrafas, ou levadas por gaivotas-correio e golfinhos treinados, ou de carona em botes de pescaria cavados em troncos de árvore, em pranchas de surfe e, caso da ilha mais inóspita e desprovida de civilidades, pelos sinais de fumaça do vulcão. o celular não funciona, porque Aqui é fora de todas as áreas.
os lugares são culturalmente variados e alguns têm energia elétrica, telefone, big mac e internet, outros não. nossa ilha não. então vivemos em constante deslocamento, porque onde há internet pode não haver peixe, onde há peixe pode ser que não haja água potável.
mas a estrada é o oceano, então abrimos uma clareira para o pouso do helicóptero (atenção: nenhuma planta sofreu danos ou maus tratos para a realização deste filme) e o atalho é pelo ar.
aqui chove. é a terra do sol, mas chove. e faz frio. e tem granizo, geada, ciclone extratropical, raios e trovões, névoa pela manhã e à tarde. mas quando chega o sol, é aquela coisa. paisagens absurdas. é quase tão lindo quanto o Arpoador.
aqui é um lugar protegido, onde a gente pode viver longe dos problemas normais, arranjando problemas nunca dantes cogitados.
acho que estou feliz.
mas um dia eu volto.
enquanto isso aparecerei quando puder, porque se não puder nem adianta querer.
de vez em quando deixarei minha rotina de escrever e ilustrar livro, preparar risotos de frutos do mar e dar aulas para crianças vizinhas, e virei até o outro lado do horizonte procurar por notícias. talvez dando voltas numa bicicleta com acesso à internet emprestada, pra economizar meus dobrões de ouro encontrados no navio naufragado. lerei os e-mails, os jornais e revistas, os blogs, saberei o que ando perdendo e do que estou escapando por estar tão longe. sentirei saudades e alívios, tomarei um drink no abacaxi, esboçarei mais um desenho do povoado e seus habitantes, conversarei no mercado, chamarei Flipper com um assovio e partirei de volta para a minha ilha, sonhando talvez com o mundo perdido, ou tendo pesadelos roteirizados por Stephen King, influenciada pelas leituras internéticas. no fim da tarde dourada reconhecerei o ronco do nosso helicóptero chegando (mesmo porque é o único helicóptero das amplas redondezas), correrei saltitante para o portão, e o resto não interessa a mais ninguém.
se eu soubesse, teria mesmo feito biologia marinha.

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