quarta-feira, 19 de maio de 2004

I read the news today oh, boy

todos lêem jornais, né mesmo? e assistem noticiários na tv, ouvem no rádio e acompanham todos os acontecimentos do mundo pela internet. inclusive os profissionais da imprensa ou quem é ele mesmo a notícia, ou participante dela (excluindo vítimas fatais, incapacitados ou eremitas, obviamente).

sim, eu também sei o que está acontecendo por aí, e tenho reações e opiniões e palpites e vômitos e pesadelos e ataques de riso ou de solidariedade ou ganas assassinas, eu sou normal.

é que, por mais que a impotência pras mudanças até estimule o alheamento, a sensação de não ter nada com isso, o "que se foda, e daí?", mesmo resistindo a gente acaba se envolvendo com a manutenção do planeta de onde é inquilino, por motivos egoísticos de sobrevivência.

mas ao saber das notícias, o que eu tenho sentido mais do que tudo, mais do que seria aconselhável para a manutenção da ilusão cidadã é uma sensação de espectadora impedida de ver de perto, de aplaudir ou vaiar. uma distância extraterrestre.

e a inutilidade da opinião além do desabafo catártico, a ação sem alcance.

sabe, eu nunca quis carneiros e cabras pastando solenes no meu jardim, não partilhei dos sonhos hippies de comunidades alternativas fechadas e não viveria nem em cidade pequena, gosto da muvuca metropolitana. mas de vez em quando me parece tudo tão inútil, dos objetivos de longo prazo à maioria dos rituais adotados, por obrigação ou costume, nessa vida social que já veio malhada antes d'eu nascer.

quero isso não, obrigada.

esta exposição cotidiana à violência, tão incontrolável, violência física e psíquica, violência da intolerância absurda e desses valores aí que não são meus mas me cobram, tenho que viver me explicando como se devedora fosse? tenho que me submeter a umas regras insanas pra viver pacificamente?

bem, não devia, nesta altura da vida. mas acabo tendo.

falam muito das ditaduras cerceadoras de liberdade, mas juro que não tem tanta diferença na parte da autonomia individual quando um banco manda na sua vida, ou uma empresa de petróleo, ou um consórcio estrangeiro formado para o controle das águas potáveis, energia ou sementes do lugar onde você habita. ou quando uns políticos acabam com o futuro dos TEUS pimpolhos numa depositada básica e relâmpiga dos dólares da educação e saúde nas contas da Suíça.

nosso 1984 e a homogeneidade forçada pela hegemonia, o "consenso" consentido por preguiça e as discordâncias virando "ignorância" ou "rebeldia maligna". como nas ditaduras oficiais, só que nos tempos atuais a polícia é só um braço firme da "Justiça".

(pois é, né? que mania de dar opinião inútil.)

e as certezas? quantas certezas, dio mio. quanto absoluto, quanta Verdade Incontestável.

sim, eu sei como digo besteira, e muita.
também erro muito nas minhas avaliações, na minha defesa do que me parecia justo ou no ataque do que me parecia inaceitável e que acabo descobrindo não ser tão simples assim.
erro muito, mas por isso mesmo tenho tentado julgar menos e desconfiar das certezas.
(tentado, né? o que não me impede de estar cada vez mais intolerante com algumas posturas vigilantes e patrulheiras, algumas opiniões definitivas e algumas inofensivas manifestações de imaturidade e manezice, como a pretensão de "superioridade" intelectual dos que acabaram de descobrir que a Terra é redonda, que surpreeesa!)

eu sou normal e cheia de opiniões definitivas absolutas e incontestavelmente verdadeiras.

e acumulo conhecimento para minha diversão e lazer, mas um bom prato cheio de comida bem feita serve muito mais à Humanidade que todo esse saber acadêmico pretensioso em nossas prateleiras.

(ah, liga não, este desabafo catártico sem destinatários alivia a pressão borbulhante das opiniões reprimidas - tenho andado muito calada pra evitar discussões que não valem o esforço, que não mudam nada.
e minhas opiniões andam muito instáveis, e os espinhos do mundo muito ativos, e eu muito sem saco pra estender conversa).

aliás tenho andado muito descrente de qualquer tipo de intervenção individual, até o mais despretensioso, limitado e cotidiano exercício ativo de cidadania. de que adianta reclamar - mesmo educadamente - do lixo jogado no chão, do espertinho fura-fila, do cara que grita no celular no ônibus? se não me atingir diretamente, eu é que não vou me meter. no máximo, aquela cara de tsctsctsc, e chega de interação.
mas também não fico nervosa, me mordendo por dentro e tendo ataques de fígado.

eu só quero é ser feliz e andar tranquilamente na favela onde eu nasci.

quero ser surfista em Manoku do Oeste, ou no Arpoador mesmo.

quero desenhar feito o Jano, viajando com meus bloquinhos pelo mundo cruel e étonnant.

quero viajar nas telas, ouvir música em fones de ouvido e ignorar, ignorar com afinco e militância ignorativa o que me faz mal. alienação já.

quero curar minhas feridas todas todas todas totalmente.

quero boas notícias, e pra mim no momento há um tipo de boa notícia que ultrapassa todos os outros tipos.

meu amor, cadê você?
vamos pra Andromeda construir nossa cabana de titanato de estrôncio na beira do mar de éter.

Nenhum comentário: