quinta-feira, 4 de março de 2004

dOs Anos Oito:

Como, pra que, por que se consegue ver o espectro, a presença tênue, a sugestão de vulto no ar tremido?
Não sou particularmente dada a ver fantasmas. Mas é só olhar naquela direção, e ali está ele, a qualquer hora.
Não ele, apenas a certeza de seu estar ali, um contorno de ar no ar maior, um espaço preenchido com ar diferente.
Não é alucinação, entenda, é tão real quanto a tigela de pipoca sobre a mesa.
Você não tem que acreditar. Não é questão de acreditar, mas de saber, ou não.

***


Tem uma coisa importante que é o material de que se é feito, dá pra entender?
Duas frutas suculentas cheias de vitaminas e cores fortes; música suave, violenta e média; beijos, risadas, lágrimas, suor, impaciência e sono; sol e lua, cerâmica fria, chapa de ferro, madeira de lei; duas pedras, duas flores, dois pares de asas, duas pastilhas de ácido, duas camadas de escamas duras sobre duas gelatinas, duas conchas de mel, duas cebolas, dois raios, duas conchas de mar, dois espinhos, duas almofadinhas de algodão; muitas glândulas variadas, sal, açúcar, pimenta, chocolate, garras, seda, veneno, sangue quente e por aí vai, sempre uma porção pra cada um, mistura tudo e ferve, é a receita. Receitas iguais, a quantidade de alguns ingredientes é que varia.

É isso que falta às vezes, você fala e não entendem, por diferença de materiais.

***

E quando desabou a tempestade toda de uma vez como cortina d'água pra lá da marquise, levantando vapor do chão quente, ela gritou por dentro "eu juro! juro por Tara! nunca mais passarei por esta evasão de divisas! recolherei de volta até a última pérola desperdiçada!"

Quando a chuva acalmou ela deixou a cidade e foi viver de brisa com seu Amor Verdadeiro, que conheceu no ônibus.

(2003)

Nenhum comentário: