quarta-feira, 24 de março de 2004

sabe o que é? este renascimento de todo tipo de discriminação oficial (com e sem aspas), mundial, de tudo que não seja Politicamente Adequado (a que interesses, mesmo?), com a concordância (ou com a indiferença que faz diferença) dos "esclarecidos", tá me deixando com umas coceiras incômodas ao ouvir barulho de passos em marcha. o Retrocesso tá dobrando a esquina e vem que vem na nossa direção.

não te dá medo essa obediência (sem questionamento) a regras e normas, sejam essas regras feitas e impostas por quem quer que se dê o direito de inventá-las e torná-las "leis" no âmbito restrito de sua influência? (e com que autoridade? com a autoridade da concordância ou indiferença-concordante dos subjugados, é claro).

e a regulação informal da "sociedade", por onde anda?
você é vítima potencial da regra injusta, e concorda por princípio em ser punível porque Alguém Importante (não identificável) determinou quem nasceu com o pecado original: você é o cucaracha moreno com cara de pobre no aeroporto americano. você é o negro que leva dura na blitz. você é a mulher no bar que o gringo aborda desrespeitoso. você é o jovem dirigindo o carro, atropelado pelo pedestre idoso que atravessou afobado na sua frente. você é a vítima talhada pra ser o culpado, quem mandou ser como é, agora agüenta. e caladinho. ou dizendo "tudo bem, eu mereci".

e, pior, qualquer desobediência ou protesto é tratado como banditismo, não só por quem tem poder de punir, mas pelos cidadãos-de-bem que pedem punição sem avaliar os fatos.
(se quer eliminar Fulano, disque 0800-99998, mas se prefere detonar Micrano, disque 0800-99999).

mas o que é? perdeu-se a noção do que é rebeldia? conseqüente e bem aplicada, uma reação às injustiças, ou inócua e boba, mas saudável como reação às imposições sem discussão?
qualquer manifestação individual que não seja concordante vira suspeita nesses tempos de Segurança Máxima (todos queremos extingüir a violência, não é?), qualquer desafio adolescente normal ou atitude mal-educada é comparada a vandalismo, sem nuances? não dá pra diferenciar 'gangues violentas de pitboys' dos 'blogueiros de 15 anos que escrevem palavrões e postam fotos com dedos médios em riste'?
sei lá, é como comparar 'terroristas que incendeiam ônibus com passageiros dentro', e 'pichadores de monumentos'.

todas essas manifestações não são formas de protesto nem desobediência consciente a regras, são desafios "primitivos" (sejam desesperados, sejam simplesmente pra marcar o "ser contra"), reações ao inaceitável, que incomodam indiscriminadamente, não melhoram a vida de quem faz, não mudam o que está ruim. (talvez os pitboys sejam a doença mais grave, talvez maior que a crueldade dos bandidos de origem pobre, por acabarem com a esperança de tudo melhorar quando todos tiverem uma boa vida).

mas quando a gente embola as coisas e vê com desconfiança qualquer ruptura da "ordem" (ruptura no discurso de aceitação, inclusive), uma ordem ela sim suspeita por sustentar o (des)equilíbrio duma realidade tão... inaceitável, sei lá, não te dá medo?
pois me dá.

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